domingo, 6 de fevereiro de 2011

ABANDONO AFETIVO

ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE.
Trata-se de ação de investigação de paternidade em que o ora recorrente teve o reconhecimento da filiação, mas o Tribunal a quo excluiu os danos morais resultantes do abandono moral e afetivo obtidos no primeiro grau. A Turma entendeu que não pode o Judiciário compelir alguém a um relacionamento afetivo e nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada. Assim, por não haver nenhuma possibilidade de reparação a que alude o art. 159 do CC/1916 (pressupõe prática de ato ilícito), não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de reparação. Logo a Turma não conheceu do recurso especial. Precedente citado: REsp 757.411-MG, DJ 27/3/2006. REsp 514.350-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 28/4/2009.

3 comentários:

  1. Felizmente, o STJ reformou a decisão absurda do TJMG, que concedia indenização por abandono afetivo a um filho. Ora, essa é uma questão por demais complicada, que poderia ensejar uma série de ações de filhos contra pais. Como estabelecer limites? O que seria e o que não seria abandono afetivo? E os males do excesso de afeto, por vezes, mais graves que os derivados da falta dele? A porta estaria aberta, inclusive para os pais cobrarem afeto dos filhos. Os pais poderiam exigir indenização do "filho ingrato", por que não? Na verdade, as relações entre pais e filhos são muito, muito, extremamente complexas, para serem, a um, resolvidas no Judiciário; a dois, reduzidas a dinheiro. Em primeiro lugar, o Judiciário não é o local adequado para isso. O divã de um psicanalista, o consultório de um psicólogo, lá sim a questão deve ser debatida.
    Em segundo lugar, pais e filhos são herdeiros de si mesmos (heredes sui et necessarii); não faz muito sentido indenização recíproca: o patrimônio, ou pelo menos a metade dele, é da família, é um só, de pais e de filhos.

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  2. Prezado Professor César Fiuza,
    Contrariando o entendimento anterior, o STJ publicou o seguinte acórdão:
    RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9)
    RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
    RECORRENTE : ANTONIO CARLOS JAMAS DOS SANTOS
    ADVOGADO : ANTÔNIO CARLOS DELGADO LOPES E OUTRO(S)
    RECORRIDO : LUCIANE NUNES DE OLIVEIRA SOUZA
    ADVOGADO : JOÃO LYRA NETTO
    EMENTA
    CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO.
    COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
    1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à
    responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no
    Direito de Família.
    2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento
    jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que
    manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da
    CF/88.
    3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida
    implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de
    omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente
    tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de
    cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a
    possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono
    psicológico.
    4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno
    cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo
    mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei,
    garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma
    adequada formação psicológica e inserção social.
    5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou,
    ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática
    – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.
    6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é
    possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada
    pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
    7. Recurso especial parcialmente provido.REsp 1159242 (2009/0193701-9 - 10/05/2012).
    Acredito que a decisão seja ainda passível de Resp, se ainda houver prazo.

    Qual o seu entendimento professor?

    Abraço,

    Rogério Assis
    Ex-professor Fadipa/UNIPAC - Ipatinga

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    Respostas
    1. Rogério,
      continuo com o mesmo entendimento. Acho até que o STJ deverá rever essa posição, quem sabe em embargos de divergência. Na 16ª edição do meu manual de direito civil, teço longos comentários a respeito do assunto. é o seguinte:
      Com base numa visão romântica e irreal de que a família seria o locus do amor e do afeto, alguns defendem, com toda a boa intenção, a possibilidade de os filhos exigirem dos pais indenização por abandono afetivo. Ora, família não é locus de amor e de afeto. Família é um agrupamento de seres humanos reais, na melhor das hipóteses neuróticos, que se amam, mas também se odeiam, que se fazem bem, mas também se fazem mal. Família é locus de amor, mas também de violência (física e moral) e de desafeto. Essa é a família da vida real. Por isso tudo, a ideia de indenização por abandono afetivo é inadequada.
      É interessante observar que as mesmas pessoas que defendem ser impossível discutir-se a culpa nas relações conjugais, essas mesmas pessoas querem introduzi-la nas relações paterno-filiais. Ora, nunca se discutiu culpa nas relações entre pais e filhos. Em primeiro lugar, por que não é o caso. Como caracterizar a culpa nessas relações? É muito complicado, e não seria o juiz, que não tem formação para isso, a destrinçar esse nó. Ainda que o juiz tenha formação de psicólogo ou psicanalista, a vara de família não é local adequado para discutir o tema. O local seria o consultório do psicólogo, o divã do psicanalista.
      Sobre o tema, ouvi um relato muito interessante. Um pai, quando indagado porque não dera afeto ao filho, respondeu com muita simplicidade: “eu não sei dar afeto a ninguém; não posso dar o que não recebi”. Como atribuir culpa a esse pai? Como julgar esse pai, que não recebera que não violência de seus próprios pais? Como exigir comportamento diverso desse pobre infeliz? Falar é muito fácil.
      Ademais, como estabelecer relação de causa e efeito entre o abandono afetivo e os danos psicológicos sofridos pelos filhos? Quem pode afirmar serem os traumas dos filhos oriundos da falta de afeto? Seguramente não o juiz, seguramente não no curso de um processo.
      A se adotar essa prática de indenização por abandono afetivo, corre-se o risco de, a contrario sensu, admitir-se a indenização por excesso de afeto, que pode causar tantos ou mais danos que a falta dele. A verdade é que a Justiça não é o local para se resolverem problemas psicológicos entre familiares. Ademais, a patrimonialização desses problemas não os levará a nenhuma solução, muito pelo contrário, só trará mais problemas, mais ódio e desamor.

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